Lapsos
de memória
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Quem já, numa conversa, não tentou se lembrar de alguma coisa e na hora
de falar parece que ela foge, se esconde, e não adianta forçar pois
por mais que se tente parece que mais ela se esconde?
Um vexame !
E quanto mais velhos ficamos esses lapsos acontecem com mais
freqüência.
No início de 2005 conversando com o ex-piloto
Luiz Valente, ele já
com 94 anos tinha todo o direito de ter esses lapsos de memória, me
disse que sua carretera sempre foi seu próprio carro de uso
pessoal, um Ford Coupe 1938, que era devidamente depenado e equipado
com um motor V8 (8BA) com equipamentos “Edelbrock” especialmente
para participar da "Mil Milhas Brasileiras".
Após cada corrida, era remontado: recolocados os pára-lamas, capô,
motor original e acessórios. Por exemplo: às vezes, até as pesadas
portas eram substituídas por réplicas em madeira, mais leves (não
havia ainda a fibra de vidro). Esse carro só foi usado nas Mil
Milhas, de 1956 até 1961.
"- Não havia muitas corridas, não compensava manter dois carros",
disse ele, que tinha um "charutinho" Mecânica Nacional, o "Duchen
Especial" nº 22.
Mas examinando suas fotos, eu via duas carreteiras diferentes, uma
preta e outra branca. Ao ser questionado respondeu: "- Não, eu sempre
tive só uma carreteira, era o meu Ford 38."
Insisti. "- Mas veja, essa tem o pára-brisa dividido e essa
outra tem o pára-brisa inteiriço", falei. "- É. Mas será que
era minha? Eu lembro que só tive uma."
Como semanas depois voltei à sua casa para conversar com
Luiz Carlos
Valente, seu filho, aproveitei e perguntei também a ele, que disse:
"- Pai, essa é a carreteira F600!".
E Luiz Valente desandou a falar. "- Ah! Sei, essa foi uma carreteira Ford
1934, que comprei em 1963 do Cláudio, que era mecânico do Justino de
Maio, ele estava preparando, mas acho que perdeu o entusiasmo e me
vendeu. Ela veio sem motor e então eu coloquei um do Ford F600 com
carburador quadrijet, comando de válvulas de competição e um
balanceamento muito bem feito."
F600 era um caminhão da Ford. E a sigla funcionou como uma chave que
abriu um cofre, uma gaveta, sei lá. Foi só ouvi-la e ele se lembrou
instantaneamente de tudo, sem nem parar para pensar. Não sei não,
mas tenho a impressão que se perguntasse quanto pagou, ele também
responderia sem pestanejar.
Estranhos caminhos esses de nossa memória.
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