Recebi
e-mail com uma valiosa contribuição do Pedro Maranhão, de
Brasília: "Me chamo Pedro Maranhão e envio-lhe um singelo
artigo que escrevi sobre a segunda corrida automobilística
realizada no Brasil, cujo centenário ocorreu no último dia 19 de
setembro. Não tendo formação jornalística realizei essa
pesquisa com o único intuito de divulgar o evento, do qual tomou
parte o meu bisavô".
Primeiro uma explicação do site sobre a prova:
A
primeira
corrida oficial no Brasil
foi o "Circuito de Itapecerica" em 26 de julho de 1908
em São Paulo
(SP),
a segunda foi o "Circuito de São Gonçalo"
(RJ),
realizado em 19 de setembro de 1909,
o circuito inicialmente escolhido para a prova seria a Floresta da
Tijuca no Rio de Janeiro, mas o então prefeito, Souza Aguiar, foi
contra sua realização na Capital Federal por achar que
representava uma ameaça à população e conseguiu proibir a
realização da mesma. Em vista dessa proibição, o Automóvel Club do Brasil,
organizador da prova, a transferiu para São Gonçalo, município
vizinho à Niterói, bastava atravessar a Baia da Guanabara.
O público demonstrava grande entusiasmo em poder assistir à uma
corrida de automóveis, pois em 1909 eram pouquíssimos os carros que
circulavam na então Capital Federal, o Rio de Janeiro.
A seguir, reprodução de parte de um trabalho: O
AUTOMÓVEL, O AUTOMOBILISMO E A MODERNIDADE NO BRASIL (1891-1908)
do Prof. Dr. Victor Andrade de Melo da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, onde é citada a corrida de São Gonçalo:
Em 1909, inspirado pela experiência paulistana, o Automóvel Club
do Brasil promove sua primeira corrida mais estruturada: o Circuito
de São Gonçalo. A idéia original era realizar a prova no Alto da
Boavista, mas o prefeito do Rio de Janeiro à época, Souza Aguiar,
proíbe a realização na cidade, levando à transferência para a
vizinha Niterói.
Como no caso de São Paulo, o evento teve grande repercussão
nacional, e mesmo internacional, já que um repórter francês
cobrira o evento para o jornal L‘Auto. Importantes revistas (como
O Malho, Careta, Fon Fon) noticiaram fartamente a corrida. Mesmo
com a relativa distância do local da prova, o público foi bom. O
Jornal do Comércio do dia do evento afirmara:
“Realiza-se hoje, no circuito de São Gonçalo, a corrida de automóveis
que tanto interesse tem despertado no mundo elegante do Rio de
Janeiro e onde se encontrarão os genuínos sportmen que com vivo
entusiasmo acompanharão as peripécias e venturas dos ousados
corredores. O Automóvel Club do Brasil soube organizar uma festa
que despertou inteira curiosidade e que será fartamente apreciada.
Os primeiros carros partirão das Neves - ponto inicial - a uma
hora da tarde
em ponto. Ontem
, já eram solicitadas com avidez, entradas para as arquibancadas e
para o recinto reservado aos automóveis. Será numerosa a concorrência
e escolhida a bela sociedade que com tanto interesse impulsiona
este novo divertimento.”
A
corrida de São Gonçalo certamente não teve o mesmo impacto do
que a prova paulistana, mas de qualquer forma estava inaugurada a
época da busca da velocidade também na capital federal. Desse
evento também foi realizado um curta-metragem: “Circuito de São
Gonçalo”. As imagens foram captadas pelos irmãos Botelho,
estando Paulino responsável pela câmera enquanto Alberto
participava da corrida, juntamente com Francisco Serrador, outro
dos pioneiros do cinema nacional.
Não surpreende essa presença do automobilismo nas telas. De um
lado devemos lembrar que entre 1907 e 1911 o país viveu uma breve
fase de retomada da produção. De outro lado, deve-se considerar
que cinema e automóvel, dois símbolos da modernidade,
compartilham de uma nova forma de representação: imagens
apresentadas de forma fragmentada, veloz, provisória.
Com a realização dos dois circuitos, dava-se a partida no Brasil
para a realização mais constante de corridas de automóveis, algo
que crescentemente ganharia popularidade e fascinaria o público.
E aqui se encerra o trecho do trabalho que falava sobre a segunda prova
automobilística no Brasil, agora passamos ao relato de Pedro de
Albuquerque Maranhão:
“Gastão
de Almeida, “recordman” de velocidade, em machina Berliet
, 60 H. P.”
Foi
assim que o jornal Correio da Manhã do dia 20 de setembro de 1909
estampou na sua página 3 o resultado da 2ª corrida de automóveis
do Brasil, realizada
em São Gonçalo, estado do Rio de Janeiro. Um ano e alguns meses após a corrida
realizada no “Circuito de Itapecerica” o evento em São Gonçalo
contagiava o grande público presente nas arquibancadas e ao longo
de todo o circuito.
A corrida foi organizada pelo Automóvel Club do Brasil,
fundado um ano antes, e contou com o apoio do governador do Estado
do Rio, Alfredo Becker, e do industrial Visconde de Moraes. Era o
final de uma década em que eclodia uma verdadeira revolução nos
transportes, marcada pelo surgimento da aviação e a chegada em
grande quantidade dos primeiros automóveis na capital brasileira.
O próprio Correio da Manhã já destacava na véspera:
“O Circuito de S. Gonçalo,
que tem 72 kilometros de extensão, não é uma prova puramente
esportiva, é também um meio de propaganda dos industriais, que
tem no automóvel um condutor rápido dos produtos pelas estradas,
que aos poucos, com a boa vontade da diretoria do Automóvel Club
do Brasil e o auxilio dos governos federal e estadual, serão
preparadas, ligando um e mais Estados à capital da República e
tornando até mais fáceis as viagens por esses caminhos. A corrida
de hoje é, pois, o início de um problema que tem forçosamente de
triunfar, porque o progresso do país o reclama urgentemente."
O entusiasmo era muito grande, e ainda na manhã da corrida o
mesmo jornal conclamava o público a assistir a prova:
“Para
essa grande corrida que tem despertado o mais franco entusiasmo nas
rodas esportivas por ser a primeira que se realiza aqui,
inscreveram-se 16 amadores deste elegante Sport e que disputarão
as taças Estado do Rio de Janeiro e Visconde de Moraes oferecidas
pelo Dr. Alfredo Becker e pelo Visconde de Moraes, além de outros
valiosos prêmios que oferece o Automóvel Club do Brasil. O público
terá todas as informações das peripécias da corrida, por meio
de telegramas e telefone, serviço especialmente organizado para
esse fim e excelentemente instalado, de modo a facilitar notícias
aos sportsman, em qualquer lugar na arquibancada. A Companhia
Cantareira aumentou o número de barcas, afim de facilitar o
transporte dos sportsman e bem assim o número dos bondes
em Nictheroy.”
O
dia
da corrida
Para
transportá-los para a atmosfera da corrida farei uso das palavras
registradas pelo Correio da Manhã após a manchete sobre o
resultado da corrida:
“Dez
horas da manhã. Na ponte da Cantateira alinham-se as máquinas dos
corredores. A partida é demorada e maçante. Uma barca pode
transportar, no máximo, seis máquinas, e cá fora é extraordinário
o número de autos que esperam a sua vez. Autos de concorrentes,
autos de simples curiosos, atraídos pela novidade do espetáculo.
O desfile começa lentamente, e cada grupo de automóveis que
embarca é seguido de uma enorme avalanche de pessoas.
Em Nictheroy, a cena já é diferente. Os automóveis saem e ganham
as ruas, deixando após o cheiro ativo de gasolina
em combustão. Os
bondes são assaltados nervosamente, e há nos circunstantes uma
preocupação única: encontrar ainda lugares nas arquibancadas.
A viagem de bonde para Neves é feita em pouco menos de uma hora.
Os passageiros desembarcam na mesma ânsia com que se haviam pegado
aos balaustres, depois da chegada a Nictheroy. Uma longa fita
branca, alçada sobre a estrada, diz-nos em letras pretas, enormes:
- Partida. Parte da grande massa embarca nos pequenos carros da
estrada de ferro rural e segue com destino a Alcebíades de Alcântara,
para desse ponto assistir à passagem dos concorrentes. A maioria
dos populares dirige-se, porém, às arquibancadas, distantes uns
cem metros, de onde se pode, comodamente, assistir à chegada.
Antes do meio-dia, o povo começa a afluir a esse ponto. Vários
concorrentes experimentavam as suas máquinas, em desabridas
carreiras, levantando pó e lançando no assistentes um leve
frisson de entusiasmo, que era o começo de grande interesse pela
corrida.
Momentos depois, a banda de musica da polícia militar, de
Nictheroy, rompeu o hino nacional: era o presidente do Estado que
chegava, em companhia do prefeito da vizinha cidade e altas
autoridades”.
Os concorrentes
Aqui,
uma explicação: haviam cinco categorias, a saber:
Categ. B - Até 15 HP
Categ. C - Até 20 HP
Categ. D - Até 30 HP
Categ. E - Até 45 HP
Categ. F - Acima de 45 HP
Essas categorias foram agrupadas em duas largadas, a primeira com
percurso de 72Km juntou os mais potentes: as categorias F e E; a
segunda largada com percurso menor, de 48Km, juntou as outras
categorias: D; C e B e largou após a chegada de todos os
competidores da primeira
largada.
Estavam inscritos:
Cat.
|
Nome
|
Carro
|
F |
Jorge Haentjens |
Lorraine-Dietrich 80HP |
F |
Dr. Jorge Borges Junior |
Fiat 75 HP |
F |
Dr. Francisco Cunha Bueno |
Fiat 50 HP |
F |
Gastão Ferreira de Almeida
|
Berliet 60 HP |
E |
F. Serrador |
Diato-Clement 30 HP |
E |
Raul Justiniano da Chagas |
Fiat 40 HP |
E |
Charles Meyer |
Benz 40 HP |
E |
C. Bozisio (SP) |
Fiat
40 HP |
E |
Dr. Oswaldo Sampaio (SP) |
não compareceu |
D |
José D’Orey
|
Berliet 22 HP |
D |
G. Berbisco (SP)
|
não compareceu |
C |
Raul Berroguin |
Renault 14 HP |
C |
Honório Berroguin |
FN 14 HP |
C |
F. de Oliveira |
não compareceu |
C |
Fabio Prado |
não compareceu |
B |
Joaquim Pontes |
Peugeot 12 HP – não compareceu
|
O participante José D'Orey (José
Diogo D'Orey)
vem a ser o tio-avô de Fritz
D'Orey, piloto brasileiro que em 1959 participou em três
corridas de F1, mas que teve sua carreira interrompida em 1960 ao
sofrer um grave acidente na prova "24 Horas de Le Mans".
(clique
e conheça a carreira desse piloto)
Alguns dos concorrentes (fotos de um jornal não identificado,
do dia da prova):
|
|
|
|
Benz
40HP |
Fiat
40HP |
FN
14HP |
Lorraine-Dietrich
80HP |
Voltamos
à descrição do jornal Correio da Manhã:
”À
proporção que chegavam, os concorrentes apresentavam-se à comissão
de corridas, dela recebendo a bandeira vermelha com que em caso de
desastre, anunciariam aos companheiros o impedimento da estrada.
Poucos minutos faltavam para a partida. Os carros de que se
compunha a primeira turma de corredores iam se alinhando e seguindo
em direção ao respectivo ponto. O primeiro a se postar foi um
excelente Lorraine-Dietrich, 80 H. P., pintado todo de branco e
conduzido pelo Sr. Jorge Haentjens. Em seguida vieram,
sucessivamente, os Srs. Dr. João Borges Júnior, num Fiat 75 H.
P., Dr. Francisco Cunha Bueno Netto, de S. Paulo, num também Fiat
50 H. P. e Gastão Ferreira de Almeida, num elegante Berliet 60 H.
P. Era esta a primeira categoria de corredores, categoria de máquinas
de maior velocidade e resistência.
A segunda categoria estava alinhada, com exceção de um corredor,
o dr. Oswaldo Sampaio, atrasado
em viagem. Ficou
constituída pelo Sr. F. Serrador, máquina Diato-Clément, 30 H.
P.; Raul J. da Chagas,
em esplêndido Fiat
40 H. P.; Charles Meyer, num Benz e C. Bozisio, de S. Paulo, num
Fiat, ambas 40 H. P.
Estava assim constituída a primeira turma cuja partida seria
iniciada à 1 hora.
A segunda turma, que partiria duas horas e vinte minutos depois,
foi desta maneira organizada:
José d’ Orey, máquina Berliet, 22 H. P. , único concorrente de
sua categoria, por ter faltado o seu competidor G. Berbisco, de São
Paulo.
A outra categoria estava composta apenas dos carros dos srs. Raul
Berroguin, máquina Renault 14 H. P. e Honorio Berroguin, máquina
F. N. 14 H. P.
Não se apresentaram os srs. F. de Oliveira e Fabio Prado.
Havia uma terceira categoria em que figurava apenas o Sr. Joaquim
Pontes, em um Peugeot
12 H. P. Esse concorrente não apareceu por ter sua máquina
sofrido dias antes uma séria avaria na praia de Botafogo”.
A
PARTIDA
”Pouco
faltava para uma hora. Uma corneta lançou no espaço as notas
lentas o sinal sentido!. Abriu-se um grande claro na estrada e a
multidão alinhou-se de um e de outro lado. A mesma corneta
anunciou depois a partida do primeiro concorrente. Sob uma nuvem de
poeira, apareceu o automóvel branco de que era condutor o Sr.
Jorge Haentjens e, numa disparada que era antes um vôo,
desapareceu na primeira curva. Com ligeiros intervalos de três
minutos, partiram os outros concorrentes, nessa ordem:
Borges Junior, Cunha Bueno, Gastão, Serrador, Raul Chagas, Carlos
Meyer e Bozisio. Gastão de Almeida passou pelas arquibancadas
debaixo de uma estrondosa aclamação, deixando após si uma nuvem
densa de poeira, que chicoteava o rosto dos assistentes.
Após a saída do último corredor da turma, a multidão
comprimiu-se nas arquibancadas, na ânsia de notícias da corrida
que seriam transmitidas pelo telefone de diversos postes onde
haviam sido instalados.
Carros e automóveis, conduzindo famílias, dirigiam-se para Alcebíades,
de onde se podia assistir excelentemente à passagem dos
corredores”.
OS
DESASTRES
|
|
Carro
acidentado |
Carro
acidentado, provavelmente o Lorraine-Dietrich |
"Não se passara
ainda meio hora, e uma notícia má circulou: havia incêndio num
ponto distante da estrada. O motor de um dos carros explodira.
Diversas pessoas, em automóveis, partiriam em direção a esse
ponto, que não se sabia bem onde era, na ânsia de conhecerem os
detalhes do acidente e socorrer os feridos, em caso de os haver.
A explosão fora na máquina Diato-Clément do Sr. F. Serrador.
Esse concorrente e o seu mecânico tiveram a calma precisa para se
deterem imediatamente na marcha vertiginosa que levavam, saltando
ilesos do carro. Além do grande prejuízo matéria, nada havia a
lamentar.
Um outro acidente, que poderia ter graves conseqüências,
aconteceu com o Lorraine-Dietrich, conduzido pelo Sr. Jorge
Haentjens. Os assentos haviam-se quebrado bem como a caixa da
gasolina, deu alento no precioso elemento
em combustão. O Sr.
Haentjens e o seu mecânico, fazendo prodígios de acrobacia,
seguravam-se, firmemente, parando o carro sem serem dele cuspidos.
O Sr. Cunha Bueno, na precipitação da corrida, matou um porco que
atravessava a estrada, acarretando-lhe esse acidente um grande
atraso, por se terem arrebentado três pneumáticos. O Sr. Bueno
ficou levemente ferido na mão, e pôde ainda conduzir a sua máquina
na volta
O terceiro desastre acontecera ao carro Benz do Sr. Carlos Meyer.
Uma parada brusca, a que fora obrigado por desarranjo também nos
pneumáticos e pelo receio de ir sobre um concorrente, fez com que
o mecânico fosse atirado à distância, machucando-se em diversas
partes do corpo, principalmente nos braços e pernas. Esse mecânico
foi transportado para a sua residência, nesta capital, não
inspirando, felizmente, cuidados o seu estado”.
A
CHEGADA
”Poucos
minutos depois das 2 horas, ouviu-se ao longe, das arquibancadas, o
toque de sentido! Aproximava-se o primeiro concorrente em demanda
do posto de chegada. A trepidação de sua máquina ouvia-se
distinetamente, e, em poucos segundos, ela passou debaixo da faixa
branca: era a máquina Fiat, do Dr. Borges Junior; fizera o
percurso em uma hora e sete minutos. Não se havia ainda extinguido
a impressão desse momento, ansiosamente esperado e, no meio da
estrada, apareceu, distinguindo-se perfeitamente, pela sua cor
amarelada, o carro do Sr. Gastão de Almeida, muito pálido, o
rosto coberto da poeira do caminho, mal podia sorrir à multidão.
Desceu rapidamente do carro, fugindo à curiosidade popular, e
pediu água. Um ligeiro momento de descanso e ele perguntou
jovialmente:
- O meu tempo? Não sabem o meu tempo?
Alguém informou:
- Uma hora e quatro minutos.
Gastão batera o Dr, Borges Júnior por três minutos, apenas.
Restava saber o resultado dos outros corredores. Os momentos
passaram ansiosamente e, não aparecendo na estrada mais carro
algum, já não havia dúvida sobre a vitória, e o simpático
rapaz foi pela grande massa proclamado o vencedor da prova de
velocidade.
Chegaram depois: Raul Chagas, Fiat 40 H. P., que fez o percurso em
2 horas e trinta e oito minutos, ganhando o primeiro lugar dos
corredores da sua categoria, e C. Bozisio, em segundo, por uma
diferença de quatro minutos apenas.
|
Carro
Berliet de José D'Orey |
José d’Orey, concorrente único da primeira categoria da segunda
turma, saiu às 3:19 atingindo a faixa branca às 4, depois de
fazer o percurso de quarenta e oito quilômetros.
O premio da segunda categoria foi ganho pelo Dr. Raul Berroguin, máquina
Renault 14 H. P., num tempo de 58 minutos, batendo seu concorrente
Honório Berroguin, por uma diferença de 2 minutos.Honório
Berroguin trouxe dois pneumáticos furados.
Todos esses tempos foram tomados pelo Correio da Manhã. Não são
do Automóvel Club e, portanto, não podem ter caráter oficial.
Salvo pequenas diferenças, que não deixam de haver, com certeza,
eles são exatos e foram anotados com o máximo escrúpulo.
O Sr. Lucien Lousson representou na grande festa de ontem a redação
do jornal L’Auto, de Paris, da qual faz parte, e a Federação
Internacional dos Sports, tendo ontem mesmo transmitido pelo
telegrafo àquele jornal o resultado da corrida”.
Agora
voltamos ao relato de Pedro de Albuquerque Maranhão:
Felizmente para nós há
registros em filme preservados ainda hoje deste evento. Trata-se de
um dos mais antigos filmes brasileiros preservado atualmente, se não
for o mais antigo. O filme tem aproximadamente 8 minutos de duração,
e é uma produção da Botelho Filmes. Atualmente esta preciosidade
faz parte de um acervo particular, e apenas trechos deste filme
podem ser vistos no documentário “70 anos de Brasil”. Porém o
Auto Relíquias Clube de São Gonçalo já teve autorização para
fazer uma exibição deste filme no ano passado e um de seus
membros trabalha em um projeto que inclui a sua divulgação no próximo
ano.
Enquanto não podemos ver este filme maravilhoso, nos resta fechar
os olhos e tentar imaginar algumas cenas que os jornais e revistas
da época registraram e também outras que não foram registradas,
mas que certamente entusiasmaram os presentes naquela tarde.
Como não imaginar os gritos e palmas de entusiasmo do público nas
tribunas no momento da largada dos seus favoritos, o sportsman Gastão
Ferreira de Almeida e seu co-piloto, o machinista
português Carlos Nunes Ferreira. A vibração do público foi
tanta que fez com que o jovem piloto soltasse o volante do carro
que se encontrava em plena aceleração, para agradecer as palmas
da torcida no momento de sua passagem em frente à tribuna.
Imaginem também a ansiedade que tomou conta do piloto vencedor e
de seu co-piloto, à medida em quem passavam pelos seu concorrentes
da categoria principal. O primeiro a ser ultrapassado foi o
Lorraine-Dietrich pilotado pelo Sr. Jorge Haentjens, parado por
avarias na lateral da estrada. O segundo foi o
Fiat de Francisco Cunha Bueno Netto, que retornava
lentamente à Neves com os 3 pneumáticos furados após atropelar e
matar um porco. Porém não conseguiam avistar o Fiat de João
Borges Júnior, carro muito mais potente. Era impossível para Gastão
de Almeida não pensar no risco de uma falha no seu Berliet, pois
ainda assombrava-lhe o problema mecânico que lhe tirou o primeiro
lugar da prova de São Paulo no ano anterior. Naquela prova Gastão
havia sido surpreendido pela queda do cárter de seu
Lorraine-Dietrich a apenas
6 quilômetros
da chegada, quando ele tinha uma vantagem de 5 minutos sobre o
segundo colocado, Sílvio Penteado. Mas este ano havia de ser
diferente, pois ele havia buscado na França uma máquina Berliet
de maior durabilidade e tinha como seu co-piloto um mecânico
especializado neste carro.
Na chegada, o público por alguns momentos esquecera-se de
que as máquinas da categoria principal haviam largado com
intervalos de 3 minutos, e vibrava com a chegada do Dr. João
Borges Júnior. Porém, assim que o Berliet amarelo chegou e os
torcedores que cronometravam os tempos confirmaram a vantagem de
Gastão e de Carlos sobre João e seu co-piloto, a torcida eclodiu
em vibração novamente.
Neste ambiente de euforia ocorreu a premiação dos vencedores, com
Gastão de Almeida recebendo as taças “Estado do Rio de
Janeiro” e “Visconde de Moraes”. Naquela época o único prêmio
material foram as citadas taças, que haviam ficado expostas por vários
dias, antes da prova, na Ourivesaria Moreira e na casa Rezende,
respectivamente, para serem apreciadas pelo público e almejadas
pelos destemidos concorrentes. Mas a glória e o reconhecimento
pela conquista certamente eram os maiores prêmios disputados.
A máquina vencedora era um Berliet AK 14 com o peso aliviado pela
remoção das peças e partes desnecessárias. Ela tinha também
preparação e motor e reforços mecânicos feitos pelo meu bisavô,
o machinista Carlos Nunes Ferreira, de quem herdei a paixão
pelo automobilismo e também esta maravilhosa fotografia, tirada
antes da corrida.
|
|
Carro
Berliet AK 14 original
|
Carro
Berliet AK 14 preparado
Ao lado o mecânico e preparador Carlos Nunes Ferreira |
Autor:
Pedro de Albuquerque Maranhão
À ele nosso muito obrigado!